quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Menina que Roubava Livros - Markus Zusak

Li este livro algum tempo depois de que foi lançado e ainda me lembro do dia em que o abri pela primeira vez.

Era uma sexta-feira de carnaval, eu estava em um ônibus em direção à uma outra cidade para curtir um feriado ao lado de uma paixão de quem nem me lembro mais o nome... Não quero parecer exagerada, mas a verdade é que fui atingida de tal forma por esta história que não consegui abandoná-la com a mesma facilidade com a qual o tempo cura um coração partido. Admito que subestimei este livro imediatamente da mesma forma que talvez eu o superestime neste momento, mas a verdade é que eu não esperava tanto, de forma alguma, desta história... Mesmo após ter começado timidamente à folhear suas páginas, já enferma com a compulsão febril que me aflige toda vez que começo um livro novo, não estava pronta para ser arrebatada como eu fui.

Em determinado momento, a própria Morte aparece para conversar com você...

Ela se aproxima timidamente e abre seu peito ao leitor, confessando os prazeres e os desprazeres de sua existência e conquista aos poucos a sua amizade. 

De cara nos confidencia que costuma encontrar o ser humano no momento no qual ele mostra aquilo que traz de melhor e de pior em sua alma e o quanto isso afeta as cores com as quais enxerga o seu mundo. Apesar de possuir muito personagens cativantes dos quais certamente poderia dissertar por horas à fio, sem dúvida o que mais chama atenção é esta curiosa e incomum narradora: A Morte é doce, passional e humana, e mesmo assim assume com perfeição seu papel de ceifadora de almas imparcial. É dela a responsabilidade (e os méritos!) de transformar mais uma das muitas histórias de guerra em uma lição para ser levada por toda a vida. Quando se coloca como uma personagem que modifica e é modificada pela trama, é impossível deixar apiedar-se da nefasta entidade... A história, a qual toma o dever de tornar pública, é utilizada para dar vazão às suas lamentações e desabafos e quando menos esperamos somos tomados por uma amável familiaridade ideológica, olhando para a morte com uma carinhosa amizade. 

Macabro, lindo e natural.
            
           O enredo em si, para dizer a verdade, é batido.

Não é nada além de outra saga de uma jovem alemã durante a Segunda Guerra Mundial somada à velha idéia de como o amor faz do mundo um lugar melhor. Certamente pode parecer normal e enfadonho, mas desta vez não é só isso... A narrativa é envolvente e ardilosa, capaz de transportar o leitor até a pequena cidadezinha alemã e aos difíceis anos da década de 40. A beleza da existência e a feiúra da guerra transformam a história em uma adorável tragédia, misturando estes elementos com uma química muito eficaz. Ao mesmo tempo em que o clímax da história é adiantado pela narradora capítulos antes de se encaixar na trama, cada pedaço da história é desenvolvido de forma que os melhores momentos tiram o fôlego mesmo dos leitores mais preparados. 

E é nesta hora que Zusak mostra as suas mais encantadoras armas...
            
           Entre os acontecimentos de uma adolescência desabrochada na Alemanha nazista, os pensamentos sofridos e solitários de um judeu alemão escondido em um porão cuja própria pátria o rejeitou e alguns assaltos à uma biblioteca vizinha, valores humanitários são resgatados e retratados de formas simples e tocantes. Torna-se difícil deixar de pensar naqueles ao nosso redor e nas nossas ações, nos nossos mortos e na cruel tarefa de enterrá-los. Eu mesma, que não presenciei nenhuma guerra e que perdi poucos (mais vitais) em minha vida até agora, precisei parar algumas vezes a leitura por ter a visão embaçada pelas lágrimas.

            Termino esta primeira crítica dizendo que este é um livro para ser lido mais de uma vez para que possam sorvê-la na íntegra. Não pela história em si, mas pelo trabalho meticuloso do autor em compor um livro recheado de detalhes saborosos e habilidosos. Desde a técnica de narração e argumentação, passando pela estória e pela história, pelas alusões às coisas terríveis que a humanidade é capaz de fazer e também pelas coisas maravilhosas das quais se trata A Menina que Roubava Livros, devo dizer que este livro é impressionante, para não dizer assustador.






Página 478
 
Tive vontade de dizer muitas coisas à roubadora de livros, sobre a beleza e a brutalidade. Mas que poderia dizer-lhe sobre estas coisas que não soubesse? Tive vontade de lhe explicar que constantemente superestimo e subestimo a raça humana – que raras vezes simplesmente a estimo. Tive vontade de lhe perguntar como uma mesma coisa podia ser tão medonha e tão gloriosa, e ter palavras e histórias amaldiçoadas e tão brilhantes.
            Nenhuma dessas coisas, porém, saiu de minha boca.
            Tudo o que pude fazer foi virar-me para Liesel Meminger e lhe dizer a única verdade que realmente sei. Eu disse à menina que roubava livros e a digo para você agora.
            Os seres humanos me assombram.